24 de novembro de 2011

Eu espero que todos cheguem em casa

Faz tempo que tenho visto, seguidamente acidentes de trânsito. Em duas semanas já me deparei com quatro, um deles, inclusive, foi um atropelamento em cima da calçada. Não existe mais segurança – é a primeira coisa que nos vem à cabeça. Não existe mais segurança no trânsito, na rua, nem mesmo dentro de casa. Onde quer que estejamos, parece que estamos sempre correndo algum risco. Se estamos fora do carro podemos ser atropelados, se estamos dentro corremos o risco que alguém pule na nossa frente, motivo para nos incomodarmos para o resto da vida.

Mas a questão não é nem a incomodação.

Você está em casa, esperando seu marido e seu filho, depois da escola e do trabalho. Você trabalhou a tarde inteira, passou no super, comprou um monte de coisinhas boas para o café e aguarda ansiosa, a chegada dos dois. Dá uma varrida na casa, põe água nas plantas, dá comida para o cachorro, e nada deles. “Só espero que não tenham passado no Mac”, você pensa. Então você faz um chimarrão, dobra algumas roupas que já haviam sido recolhidas da corda, costura a manga de uma blusa branca, tira o sapato, põe um chinelo. Nada. Você resolve tomar um banho, tirar o esmalte velho, olhar no relógio. Eles estão bem atrasados, será que tiveram um imprevisto? O telefone toca, e quase não dá tempo de pegar a bolsa, calçar um tênis e sair pela porta.

Você convidou sua amiga para ir a um restaurante novo. Faz muito tempo que vocês não conversam sozinhas, e tem muitas novidades que precisam ser divididas. Você quase precisou escrever para não esquecer tudo o que pretende falar: do namorado, da casa nova, da viagem, do cabeleireiro, do esmalte, da linha de roupas novas, da sua depiladora genial, daquele creminho da propaganda, da saudade que sente de quem já não vê mais, da vontade de ... e seu pensamento é cortado por uma movimentação no restaurante que faz com que as pessoas pareçam formigas se movendo. Alguém parece chamar por um médico, um médico. Você é praticamente levada até a rua e então, um rosto conhecido faz seu coração disparar.

Você está voltando para casa depois de um dia cheio, com muita pressa. Você quer chegar e parece até que precisa marcar uma hora para sentar no sofá. Você está cansado, com fome, com dor nas costas, cheio de ouvir desaforo, e desconta no acelerador. Mas você não esperava que aquele senhor não fosse colocar o pisca ao trocar de faixa, e vê o mundo girar enquanto pensa “Por que eu?”.

Não faço parte de nenhum movimento pela paz no trânsito nem sou uma motorista exemplar. Tenho minhas falhas, às vezes tenho pressa, às vezes falta paciência, às vezes sobra ilusão de que nunca vai acontecer. Um dia acontece. Pode acontecer, quero dizer. E ninguém está preparado.

Eu quero chegar em casa. Eu quero que minha família chegue em casa. Não quero receber, por telefone, a informação de que houve um acidente envolvendo alguém que eu amo. Vamos ser mais prudentes, vamos andar mais devagar, vamos usar os espelhos.

Se você não fizer isso por você, faça por quem te ama e espera ansioso, a sua chegada.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

16 de novembro de 2011

Nossos três anos

Eu nunca pensei em passar três anos namorando alguém. Eu pensei em viver toda a minha vida do lado de alguém, mas três anos? Nossa, três anos é muito tempo. Pra sempre é indefinido, é algo que vai durando. Três anos não. Três anos é a idade de uma criança pequena que já sabe falar, caminhar e comer com a própria mão. Três anos demoram a passar.

Pedindo ajuda para a calculadora três anos são 1095 dias, 26280 horas e (o mais assustador) 1576800 minutos.

Tudo bem que pra quem é casado há 20 anos esse número é praticamente irrisório e eu sequer me atrevo a fazer a mesma conta para esses casais. Nem é o meu propósito.

Vim registrar que, apesar de querer ficar com alguém durante a vida inteira achando que vai ser simples e fácil, nunca me imaginei completando três anos de namoro. Porque o 'pra sempre' faz parte do mesmo estágio de profundidade no qual também estão inseridos meu mestrado, meus filhos, minha casa própria e meu PT Cruiser. Mas três anos tá ali. Ali você consegue?

Conseguimos, juntos, eu e o Felipe, e não foi fácil.

Não é fácil amar alguém o tempo todo da mesma forma e com a mesma intensidade. Não é fácil estar conectado por alguém que não tenha um laço de sangue pra unir. Não é fácil estar sempre a disposição, abrir mão das nossas coisas, ouvir a música que a gente não gosta. Também não deve ser fácil me entender sempre, tentar me arrancar um sorriso quando estou de cara amarrada e aguentar meu discurso incansável de quem não pode, um minuto sequer, pensar em alguma coisa que não seja trabalho.

Não é fácil conviver e se adequar à forma como o outro arruma a casa. Às comidas que fazem parte da dispensa dele, a forma como ele tem sempre pressa depois que entra no carro.

Também não deve ser fácil conviver com alguém que não pode perder um minuto de sol, que quer acordar cedo sempre pra aproveitar o dia e que quer fazer por todo mundo, e talvez, em alguns momentos, esqueça de você.

É isso. Completar três anos ao lado de alguém é querer esse alguém diariamente. É perguntar se vamos morar em casa ou apartamento, se vamos de carro ou bicicleta, se estamos ou não com a razão. Hein? Responde?

Brincadeiras a parte, três anos é tanto tempo quanto 1 ou 2 ou 13 se queremos que dê certo todos os dias!

Feliz aniversário pra nós amor!

Esses três longos anos, passaram voando por mim.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

9 de novembro de 2011

Eu invento histórias

É assim desde que me conheço por gente. Eu olho pra alguém e já tenho sua ficha completa na cabeça: sei se é triste, se trabalha ou procura emprego, se tem filhos, se tem amigos, se é casado. Costumo me voltar, principalmente, para as histórias tristes. Não que seja uma pessoa negativa, mas o que me chama atenção naquelas pessoas, não é o sorriso. Construo histórias de rostos tristes, de olhares vazios, de mãos apreensivas, de suspiros profundos. É a vontade de abraçar as pessoas que me faz pensar mais sobre elas. E não é todo mundo que tenho vontade de abraçar. São mesmo aqueles que me instigam saber o porque daquela tristeza que pode nem ser triste, pode ser pura invenção minha, mas que me faz pensar.
Eu conheço uma menina que não me conhece e pra quem já montei e desmontei dezenas de histórias na minha cabeça. Estudamos no mesmo colégio e, apesar de ela ser bem mais nova, seguidamente a encontrava. Ela estava sempre acompanhada do pai. Ele a deixava na escola e a buscava lá. Sempre, sempre, sempre, religiosamente. Claro que o espanto não deve ser tão considerado se eu levar em conta que todo dia, religiosamente, minha mãe também me levava e buscava, o que poderia gerar uma bela história se alguém me observasse. Mas não era só isso. Eles falavam espanhol! Meus Deus, quantos anos ela tinha? É, era uma fluência de causar inveja em qualquer marmanjona metida que estivesse observando os dois. Acho que, por nunca ter entendido também aquelas conversas, elas me interessavam ainda mais. E eu pensava neles às vezes. Naquela cena daquela filha com aquele pai, sempre. Será que a mãe dela já morreu? Morreu quando ela era pequena! Será que morreu no parto? Coitado desse pai; e ele nunca mais namorou, coisa estranha. Como ele se dedica pra essa filha. Como ele a faz rir. Acho que ele é rico. Está sempre de terno. De terno, falando espanhol com a filha e naquele carrão preto: ele É rico! Mas ele não é médico, talvez seja advogado. Será que ele é espanhol mesmo? Veio da Espanha porque a mulher era uma louca e teve que fugir com a filha? Meu Deus ... 
Será que eu sou metida? Não; acreditem. Sempre fui muito discreta e posso colocar a minha mão no fogo que eles não fazem a menor ideia de que buraco eu saí.
Acontece que a menina cresceu, o pai está com ainda mais cabelos brancos (mas ainda de terno), talvez tenha perdido todo seu dinheiro porque nunca mais o vi de carro, só a pé. Ou talvez ele só tenha optado por uma vida mais saudável já que sempre encontro os dois, ele e a filha, num restaurante vegetariano.
Ela ainda é mais nova que eu e fala espanhol maravilhosamente bem. Ele ainda não tem namorada. Ela já saiu do colégio. Ele ainda usa terno.
Acho que eles não comem carne. E tenho certeza de que, nenhum dos dois, tem ideia de que uma louca varrida se emociona e se irrita com a vida deles, sem que saiba sequer, o nome dos protagonistas dessa história, que inventou do início ao fim.


Por Manoela Soares (@manunsoares)

7 de novembro de 2011

Perdas e ganhos

A vida é feita de escolhas. Muitas vezes, ao escolhermos uma coisa, consequentemente, abrimos mão de várias outras. Mas é isso: precisamos trilhar um caminho, com nossas conquistas e dores, com nossas crenças e valores, repleto de coisas que acreditamos e não acreditamos; e é preciso que esse caminho seja pleno. Para mim, pelo menos, isso é a coisa mais certa: quero trilhar por um caminho de paz, que não me traga desilusões a cada passo, que não me faça chorar sempre depois de sorrir, que não me faça mal, principalmente. E para isso, esse caminho não pode ser seguido por ruas que se cruzam, ele não pode ser ambíguo. É preciso seguir, sempre, na linha que a sua ética e consciência lhe definem.

Por isso insisto em dizer que, muitas vezes, para seguir por um caminho calmo, é preciso abrir mão de muitas coisas. Você está disposto? Nem sempre é fácil. E é bom começarmos nosso caminho carregando essa frase no bolso.

Viver um casamento significa abrir mão de algumas milhares de coisas, da mesma forma que viver uma solteirice feliz, também significa ser privada dos prazeres da vida a dois. Estar junto com alguém significa, antes de mais nada, ser leal a esse alguém. Significa que depois de brigar você precisa solucionar o problema que atrapalha a sua felicidade; significa que você não vai ficar completamente sozinho depois de chegar em casa; significa que você não tem mais uma vida solitária, e isso implica em muitas outras descobertas. Estar só, por sua vez, significa que você pode aproveitar o máximo o seu dia, pode dançar até se acabar a noite, pode beber, rir, brincar, mas vai ter que se acostumar a fazer isso sozinha. Claro que você tem sua família, seus amigos, seus irmãos, mas muitas vezes só isso (e tudo isso) não é o suficiente. Não é demagogia ao casamento: às vezes estar com alguém também pode não ser o suficiente. Esses dias vi um filme que distorcia o ditado “Antes MAL do que SÓ acompanhado”. É mais ou menos por aí.

Escolher uma profissão também é abrir mão de todas as outras. Isso pode ser bom ou péssimo. Sou jornalista, amo o meu trabalho e sou completamente apaixonada por comunicação, mas nunca vou ser a atriz que sonhei ser durante a minha vida inteira. Nunca vou virar, para estudantes, a professora de primário que era para o meu irmão. Nunca vou me tornar a artesã que fazia presentes nas datas especiais. Não serei a psicóloga que ensaiei muitas vezes na frente do espelho nem a nutricionista que disseram que eu levava jeito para ser. Porque fiz uma escolha e ainda tenho muito o que trabalhar dentro dela. Mas também não serei nunca (graças a Deus) a médica que nunca quis ser, a advogada que defende quem não tem razão, a freira que se esconde atrás de um pedaço de pano, a enfermeira que ouve a dor e a contadora mal sucedida. Também escolhi quem não queria ser.

Dar apenas um nome a um filho significa não dar milhares de outros nomes que você escuta todos os dias. Significa que as suas filhas não poderão ter o nome que tinham todas as suas bonecas, e que o nome de todos os galãs também não cabe dentro do seu pequeno menino. Dar nome a um filho significa, quase que somente, lhe delegar uma identidade. Você pode escolher também todos os nomes que você não quer que seu filho carregue para o resto da vida.

A gente nasce cheio de ensinamentos, e desaprendemos ao longo da vida. São coisas que deixamos no caminho, que muitas vezes atiramos ao vento, e que ensinamos aos outros ao mesmo tempo que desaprendemos. Nascemos, também, cheios de medos, de coisas que não temos e que não sabemos, e que vamos adquirindo a medida que conhecemos as pessoas, que aprendemos com a vida, que vamos inventando sonhos.

São perdas e ganhos. O que perdemos e o que ganhamos. O que vamos deixando para trás e o que vamos acumulando. Deixar dores, mágoas e angústias não é problema. Carregar alegrias, sentimentos bons e energias positivas também não. Mas é preciso sempre renovar o filtro. O que estamos carregando vale a pena?

Algumas coisas quero carregar para sempre, outras, como João e Maria, quero aprender e ir atirando no caminho, para que os próximos entendam também, que mesmo o importante, não precisa ser carregado para sempre. Ás vezes, como conta a história, é preciso deixar uma pequena parte para os passarinhos qu chegam a todo momento.



Por Manoela Soares (@manunsoares)