9 de novembro de 2011

Eu invento histórias

É assim desde que me conheço por gente. Eu olho pra alguém e já tenho sua ficha completa na cabeça: sei se é triste, se trabalha ou procura emprego, se tem filhos, se tem amigos, se é casado. Costumo me voltar, principalmente, para as histórias tristes. Não que seja uma pessoa negativa, mas o que me chama atenção naquelas pessoas, não é o sorriso. Construo histórias de rostos tristes, de olhares vazios, de mãos apreensivas, de suspiros profundos. É a vontade de abraçar as pessoas que me faz pensar mais sobre elas. E não é todo mundo que tenho vontade de abraçar. São mesmo aqueles que me instigam saber o porque daquela tristeza que pode nem ser triste, pode ser pura invenção minha, mas que me faz pensar.
Eu conheço uma menina que não me conhece e pra quem já montei e desmontei dezenas de histórias na minha cabeça. Estudamos no mesmo colégio e, apesar de ela ser bem mais nova, seguidamente a encontrava. Ela estava sempre acompanhada do pai. Ele a deixava na escola e a buscava lá. Sempre, sempre, sempre, religiosamente. Claro que o espanto não deve ser tão considerado se eu levar em conta que todo dia, religiosamente, minha mãe também me levava e buscava, o que poderia gerar uma bela história se alguém me observasse. Mas não era só isso. Eles falavam espanhol! Meus Deus, quantos anos ela tinha? É, era uma fluência de causar inveja em qualquer marmanjona metida que estivesse observando os dois. Acho que, por nunca ter entendido também aquelas conversas, elas me interessavam ainda mais. E eu pensava neles às vezes. Naquela cena daquela filha com aquele pai, sempre. Será que a mãe dela já morreu? Morreu quando ela era pequena! Será que morreu no parto? Coitado desse pai; e ele nunca mais namorou, coisa estranha. Como ele se dedica pra essa filha. Como ele a faz rir. Acho que ele é rico. Está sempre de terno. De terno, falando espanhol com a filha e naquele carrão preto: ele É rico! Mas ele não é médico, talvez seja advogado. Será que ele é espanhol mesmo? Veio da Espanha porque a mulher era uma louca e teve que fugir com a filha? Meu Deus ... 
Será que eu sou metida? Não; acreditem. Sempre fui muito discreta e posso colocar a minha mão no fogo que eles não fazem a menor ideia de que buraco eu saí.
Acontece que a menina cresceu, o pai está com ainda mais cabelos brancos (mas ainda de terno), talvez tenha perdido todo seu dinheiro porque nunca mais o vi de carro, só a pé. Ou talvez ele só tenha optado por uma vida mais saudável já que sempre encontro os dois, ele e a filha, num restaurante vegetariano.
Ela ainda é mais nova que eu e fala espanhol maravilhosamente bem. Ele ainda não tem namorada. Ela já saiu do colégio. Ele ainda usa terno.
Acho que eles não comem carne. E tenho certeza de que, nenhum dos dois, tem ideia de que uma louca varrida se emociona e se irrita com a vida deles, sem que saiba sequer, o nome dos protagonistas dessa história, que inventou do início ao fim.


Por Manoela Soares (@manunsoares)

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