5 de dezembro de 2012

Pra guardar na minha cômoda


Esses dias eu saí para procurar uma cômoda. Me mudei há mais de um mês e minhas roupas, sapatos e afins ainda estão amassados dentro de três malas. Como minha prioridade de vida, por enquanto, não é a aquisição de um guarda-roupa, fui procurar uma cômoda, que tem a mesma utilidade, em menores proporções.
É bem verdade que em qualquer outro momento da minha vida eu não entraria naquele brick. É daqueles lugares que vende desde tampa de vaso até cabide usado, tudo caindo por cima da cabeça e com cheiro de ranço. Me arrependi de ter pensado em entrar lá enquanto atravessava a rua, mas aí já era tarde, o vendedor já tinha visto meus olhos a procura de alguma coisa que poderia estar lá dentro. Respirei fundo.
Ele me mostrou duas cômodas que não eram nada do que eu tinha pensado. Eram velhas, não apenas antigas. Antes de sair o vendedor perguntou:
- Da onde vem a amiga?
Eu não queria mais assunto, virei pra trás, mas segui caminhando enquanto respondia:
- Pelotas.
- Mora há muito tempo aqui?
Eu pensei em tudo o que queria fazer naquele dia e no tempo que já achava estar perdendo ali. Tive que parar de caminhar ou seria mesmo extremamente mal educada.
- Não, pouco mais de um mês.
- Casou e veio embora?
- Não. Vim trabalhar.
Ele franziu os olhos:
- Tá aqui sozinha?
- Sim, tenho amigos aqui perto e tal mas ...
Ele não me deixou completar:
- Veio assim, na cara e na coragem?
- Vim.
Não bastava estar me achando velha, afinal para ele eu já devia estar casada ou pelo menos encaminhada, também não me achou com cara de muito corajosa.
Ele tirou um papel do bolso, e escreveu seu telefone.
- Viver sozinho é brabo, que coragem a sua. Aqui tá o nosso telefone, qualquer coisa a senhora nos liga. A gente sempre precisa de uma força.
Agradeci imensamente e fui até minha casa com um sorriso no rosto. É verdade, a gente sempre precisa de uma força. Seja pra pregar um prego, trocar os móveis de lugar ou sentar pra tomar uma cerveja enquanto se lamenta de um dia difícil. A gente precisa de uma força quando sente saudade e uma ligação é o mais próximo que a gente pode chegar de quem ama. A gente precisa de uma força pra abrir o vidro do pepino, pra falar sobre os planos para as férias, para conversar sobre qualquer coisa que te faça bem e para descascar um melão. A gente sempre precisa de uma força. Mesmo quando a gente acha que já leva vida de adulto, vem um velhinho com um simples número de telefone lembrando que você não pode achar nunca, nem por um minuto, que vai conseguir alguma coisa sozinho.
Ainda bem que passo na frente do brick todos os dias e posso cumprimentar meu ‘amigo’. É claro que eu não vou ligar quando estiver precisando de uma força. Mas valeu o cavalheirismo, a gentileza, a boa vontade e a reflexão. Eu não me animo a jogar fora esse pequeno pedaço de papel, com tamanho significado. Assim que achar a minha cômoda, lá estará ele, dentro dela, com todos os outros aprendizados.

Um comentário:

  1. Incrível. Na correria e na falta de paciência de todos os dias a gente esquece que pessoas boas ainda estão por aí! Boa sorte Manu, em tudo =)

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