Esses dias eu saí para procurar uma cômoda. Me mudei
há mais de um mês e minhas roupas, sapatos e afins ainda estão amassados dentro
de três malas. Como minha prioridade de vida, por enquanto, não é a aquisição
de um guarda-roupa, fui procurar uma cômoda, que tem a mesma utilidade, em
menores proporções.
É bem verdade que em qualquer outro momento da minha
vida eu não entraria naquele brick. É daqueles lugares que vende desde tampa de
vaso até cabide usado, tudo caindo por cima da cabeça e com cheiro de ranço. Me
arrependi de ter pensado em entrar lá enquanto atravessava a rua, mas aí já era
tarde, o vendedor já tinha visto meus olhos a procura de alguma coisa que
poderia estar lá dentro. Respirei fundo.
Ele me mostrou duas cômodas que não eram nada do que
eu tinha pensado. Eram velhas, não apenas antigas. Antes de sair o vendedor
perguntou:
- Da onde vem a amiga?
Eu não queria mais assunto, virei pra trás, mas segui
caminhando enquanto respondia:
- Pelotas.
- Mora há muito tempo aqui?
Eu pensei em tudo o que queria fazer naquele dia e no
tempo que já achava estar perdendo ali. Tive que parar de caminhar ou seria
mesmo extremamente mal educada.
- Não, pouco mais de um mês.
- Casou e veio embora?
- Não. Vim trabalhar.
Ele franziu os olhos:
- Tá aqui sozinha?
- Sim, tenho amigos aqui perto e tal mas ...
Ele não me deixou completar:
- Veio assim, na cara e na coragem?
- Vim.
Não bastava estar me achando velha, afinal para ele
eu já devia estar casada ou pelo menos encaminhada, também não me achou com
cara de muito corajosa.
Ele tirou um papel do bolso, e escreveu seu telefone.
- Viver sozinho é brabo, que coragem a sua. Aqui tá o
nosso telefone, qualquer coisa a senhora nos liga. A gente sempre precisa de
uma força.
Agradeci imensamente e fui até minha casa com um
sorriso no rosto. É verdade, a gente sempre precisa de uma força. Seja pra
pregar um prego, trocar os móveis de lugar ou sentar pra tomar uma cerveja
enquanto se lamenta de um dia difícil. A gente precisa de uma força quando
sente saudade e uma ligação é o mais próximo que a gente pode chegar de quem
ama. A gente precisa de uma força pra abrir o vidro do pepino, pra falar sobre
os planos para as férias, para conversar sobre qualquer coisa que te faça bem e
para descascar um melão. A gente sempre precisa de uma força. Mesmo quando a
gente acha que já leva vida de adulto, vem um velhinho com um simples número de
telefone lembrando que você não pode achar nunca, nem por um minuto, que vai
conseguir alguma coisa sozinho.
Ainda bem que passo na frente do brick todos os dias
e posso cumprimentar meu ‘amigo’. É claro que eu não vou ligar quando estiver
precisando de uma força. Mas valeu o cavalheirismo, a gentileza, a boa vontade
e a reflexão. Eu não me animo a jogar fora esse pequeno pedaço de papel, com
tamanho significado. Assim que achar a minha cômoda, lá estará ele, dentro
dela, com todos os outros aprendizados.
Incrível. Na correria e na falta de paciência de todos os dias a gente esquece que pessoas boas ainda estão por aí! Boa sorte Manu, em tudo =)
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