7 de outubro de 2012

Difícil de contar


Peguei a Helena na casa de uma tia. Ela abraçada na sacola de roupa nova. Eu com a mochila do colégio. De mãos. Entramos no carro, colocamos o cinto, eu pedi para que ela soltasse a sacola com as roupas novas.
- Não mana, fica no meu colo.
- Tá bem, então me mostra o que tu ganhou.
Qualquer coisa que postergasse o assunto.

Ela mostrou todas as peças, uma por uma, disse que escolheu todas e que a tia esqueceu de pegar uma saia que ela tinha ‘adorado’. Ela dobrou uma por uma as roupas e colocou no meu colo, enquanto eu dirigia. Fez uma pilha. Arrumou a sacola, agora vazia, no colo, e começou a guardar uma por uma aquelas pecinhas, pequenas, bem dobradinhas por ela. Pensei que aquele seria um bom momento.

- Sabe aquela cidade que tu foi com o papai, a mamãe e a Isa? Que vocês foram no cinema, no shopping, ficaram num hotel?
- Aham, Porto Alegre.
- É, Porto Alegre. Bem pertinho dessa cidade tem outra, que se chama Canoas. A mana vai morar lá.
- Vai? (perguntou ela com a testa enrugada) Por que mana?
- Porque a mana vai trabalhar lá agora. Mas a mana vem todo o final de semana!


Ela pegou mais uma peça de roupa, e guardou na sacola. Ficou quieta, meio beiçuda. Eu lembrei do dia em que fiquei sabendo que teria uma irmã. Eu sempre quis ter uma irmã. Depois lembrei do dia que ela nasceu, de quando estava aprendendo a caminhar e a falar, e das palavras erradas que pedíamos que ela repetisse. Lembrei das coisas que nos aproximaram desde sempre, do que nos faz parecidas mesmo com os 15 anos que nos separam. Lembrei dos nossos passeios juntas, das coisas que eu tenho certeza que ela só disse para mim, das demonstrações de amor que me transformaram em uma pessoa muito, mas muito melhor do que jamais pensei que seria. Pensei em como o amor ensina e modifica. Lembrei de uma vez que ela viu um menino chorando e foi falar com ele, mesmo sem conhecer. E quando ele saiu de perto dela, parecendo brabo pela aproximação, ela só me olhou, levantou os ombros e apertou o canto da boca, como quem diz ‘Eu tentei’. As ações da Helena me fizeram mais observadora e preocupada, e ela com certeza, com a sua intensidade, me mudou completamente.


Coloquei minha mão sobre a perna dela e pedi que ela me desse a mão. Parei na sinaleira, olhei pra ela.
- Eu vou morrer de saudade tua!
- Eu também.


Respirei fundo com os olhos cheios d’água e apertei o acelerador. A partir de agora precisarei apertar o acelerador muitas e muitas vezes.



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