Eu sabia que não deveria ir até você, por isso te
escrevi. Te escrevi essa carta que não vou te entregar mas que precisava
escrever. Escrevi porque precisava dizer. Precisava desabafar sobre tudo que já
se passou e sobre as coisas que ficaram aqui, depois que você já não estava. Em
primeiro lugar quero dizer que em nenhum momento você foi considerado por mim
mentiroso; você foi desonesto, com você mesmo, não comigo, então já pode
engolir todas as desculpas que vem tentando me dar e que devem estar entaladas
na sua garganta.
Ah, olha só, eu não vou me desculpar tá? Eu sei que
fiz uma coisa que não devia ter feito, mas eu agi sem pensar, como você fez
durante todo o tempo que convivemos então acho que estou perdoada de qualquer
equívoco que tenha cometido. Mas aquilo foi feio. Nossa, foi muito feio. Não,
não o que eu fiz, desculpe se te deixei confuso. Ficou feio pra você, ficou
feio pra ela. Aquilo não tem e nunca vai ter nada a ver comigo, e aí está um
ponto que quero esclarecer: não nos parecemos em nada. Te agradeço por me
mostrar como somos diferentes, por jogar na minha cara a realidade na qual você
está inserido e, principalmente, por me mostrar como nunca daríamos certo
juntos, simplesmente, porque não jogamos no mesmo time.
Eu não guardo só raiva de você. Aliás, não guardo
nada de raiva. Guardo um pouco de arrependimento só, por achar que não
precisava ter passado pelo que passei, mas se passei valeu, é assim que tenho
que pensar. Então, olha só que contraditório, tenho algumas coisas até que devo
a você, e pelas quais tenho que te agradecer.
Você me achou bonita, e me disse incansavelmente, o
quanto me achava bonita. Você me envaideceu e me fez feliz. E foi tão
convincente que me fez acreditar nisso de novo, e me fez perceber como outras
pessoas (que não ele e que não você) também poderiam me olhar, também poderiam
me achar interessante. Você me fez acreditar em mim de novo. Acreditar nas
coisas que eu queria dizer, nas coisas que eu queria fazer, nas coisas que eu
queria escrever. E acreditando em mim, me fez acreditar em mim. Me fez
acreditar que conseguiria de novo. E consegui. Você não esteve lá quando
consegui, porque você nunca me disse que estaria, então eu também te agradeço
infinitamente por nunca ter mentido.
Eu não estava no fundo do poço, nem na pior das
depressões. Eu sequer andava chorando. Mas eu não estava vivendo, eu estava
sendo levada, eu estava sendo expectadora da minha própria vida. E eu via todo
mundo correr, e todo mundo viver e não entendia de onde saía tanta disposição e
tanta vontade. Aí você apareceu junto com seu arco-íris, e trouxe a cor de volta
à minha vida. Você nunca me ajudou a pintar, mas coloriu meus dias. Que coisa
louca tudo o que eu mesma fiz por mim, e dediquei a você. Mas sim, as cores
foram trazidas pra cá de volta, elas já não estavam mais aqui, você as trouxe.
Mas fui eu que consegui. Então obrigada por me mostrar que eu consigo. Obrigada
por me mostrar que cada coisa na minha vida depende só de mim, desde o bom
humor de cada dia até as escolhas mais difíceis que precisam ser tomadas com a
cabeça tranquila e o coração leve.
Você me fez sorrir, me fez arrepiar, me fez pulsar o
coração .. você me fez entender o quanto de sangue ainda existia correndo nas
minhas veias. A coisa mais bonita que veio com você foi a intensidade. Como
está sendo fundamental conviver com a certeza dela, de que cada momento é
único, de que cada abraço é só aquele abraço, de que cada beijo pode ser o
último beijo. Obrigada por me trazer a intensidade e por deixá-la ficar quando
você foi embora.
Engraçado alguém que enxergo tão vazio conseguir
trazer tantas coisas de volta pra mim. Obrigada por conseguir, no auge do seu
egoísmo, me devolver coisas que eu andava mesmo precisando.
Eu não vou te entregar essa carta, assim como eu
nunca mais vou falar com você, assim como eu também não desejo o seu mal. Eu
gostaria muito que você soubesse o que fez por mim, mas isso não colaboraria em
nada para você se tornar uma pessoa melhor, então vou deixar assim. Queria que,
um dia, alguém te trouxesse esses sentimentos que você me trouxe, para que você
conseguisse entender a importância de estar bem e finalmente pudesse saber como
é fácil ser feliz.
Lembra que você me perguntou o nome daquele sorriso?
Pois eu te digo: o nome dele é felicidade.
Espero ainda conseguir te ver bem, mas bem de longe.
Não estou debochando. Quero te ver bem. Feliz. Mas quero que seja de longe, até
porque esse negócio de proximidade não tem nada a ver com você. Será que você
se permite, uma vez só, um sorriso sincero no rosto?
Beijo e, por favor, não me liga.
Por Manoela Soares
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